Por que as vezes é tão difícil ter uma amiga?
Ser mulher pode ser solitário, mas quando nos encontramos tudo se torna libertador
Quando você lê “amizades falsas” vem um grupo de mulheres na sua cabeça?
Pode ser curioso, mas por algum motivo relações femininas constantemente são atreladas a sentimentos negativos e ações maldosas como inveja, falsidade e competitividade tóxica. Parece que não há uma única garota que não tenha conhecido sua própria cópia (nem sempre loira) de Regina George ou então olhado para uma outra menina com admiração na rua e esta fechou a cara. O mais incrível é que realmente parece ser um evento canônico de toda mulher, não importa a idade e muito menos o local.
Recentemente, entrei em um novo emprego e nos primeiros dias já tive uma experiência com minhas colegas de trabalho que me chateou muito. Eu não esperava encontrar nenhuma aliança fraternal indestrutível, até porque tenho malas prontas para mudar de estado daqui a alguns meses e o tempo com certeza não me daria tal oportunidade… Mas bem, antes mesmo do tempo, elas mesmas foram quem tiraram o que eu já não tinha.
De repente, o ambiente me pareceu pesado e eu percebi que os sorrisos escondiam comentários ácidos por trás e um sentimento de disputa crescente entre nós, como se eu, a novata, pudesse ser uma ameaça. Aquilo me fez me sentir solitária porque grande parte das minhas experiências de vida tinham sido assim, como se o autor da minha série imaginária e delusional não fosse lá o mais criativo dentre todos na criação de um enredo e personagens originais.
Então, depois de chegar em casa após o trabalho e chorar um pouquinho — e só um pouquinho —, me joguei na cama e me perguntei enquanto encarava o teto do quarto: “Por que fazer uma amiga é tão difícil?”
Sentimentos negativos e odiosos em relacionamentos feminimos não são novidade e, na verdade, têm sido explorados na mídia desde os primórdios das telinhas. Os trilhões de romances com rivalidade feminina e músicas de “empoderamento” que repetem a palavra invejosa como um mantra estão aí para dizer que não são só as vozes da minha cabeça falando.
Mean Girls, ou Meninas Malvadas, foi uma comédia lançada em 2004 e até hoje vira pauta quando o assunto é a toxidade presente entre garotas. Toda aquela relação com as plastics (as benditas “poderosas”) muitas vezes é usada como exemplo para falar o quão maldosas mulheres podem ser umas com as outras e em certos momentos sem motivo nenhum, além de tudo o que consideram ruim no universo feminino. Chega até a doer em algum lugar do peito enquanto escrevo esse texto.
E não, não se resume a um único filme, na verdade sequer para nos longas metragens porque qualquer hit do Spotify em 2014 ou em algum livro de romance no início dos anos 2000 vai estar deixando mais do que claro que garotas se odeiam e bem, você vai ficar entediado de tanto ver a palavra “inveja” em algum desses, isso porque ela sempre estará lá, sorrateiramente entre palavras cantadas, roteiros de cinema ou num post do twitter. A rivalidade e maldade presente em relações fraternais (ou não) entre mulheres.
Mas então todo esse repertório seria uma representação real e crua, meio dolorosa de aceitar,do universo feminino ou só mais um meio caricato de nos por como as vilãs na nossa própria história? Porque, querendo ou não, muitas dessas obras acabam gerando um sentimento de identificação que não podemos negar.
Quanto mais eu pensava, mas me recordava das minhas próprias fatídicas e fracassadas experiências tentando encontrar uma amizade com alguma garota. Quero dizer, é difícil quando você sorrir para uma menina na rua e ela vira a cara ou então quando os comentários da sua amiga deixam de ser uma piada e começam a te deixar desconfortável sobre si mesma, pior quando você descobre que seu nome tem dado voltas pela escola ao lado de boatos nada amigáveis graças a ela e assim aos 13 anos — número amaldiçoado para mulheres — sua saúde mental já não está mais tão colorida quanto antigamente.
Não que isso tenha sido um desabafo.
De qualquer forma, fazer uma amiga sempre foi meio complicado e por isso me senti sozinha por grande parte da vida, mas percebi que não era a única a colecionar histórias meio trágicas para contar em tom de piada numa rodinha e durante as últimas semanas acabei me deparando e conhecendo mais e mais casos parecidos com o meu, de mulheres e garotas vivênciando a maratona interminável que é enfrentar amizades ruins com outras mulheres. No final, acabei ganhando entrevistas não convencionais e um assunto para esse blog porque percebi que essa é mais um dos eventos canônicos de ser mulher.
A primeira conversa aconteceu aleatóriamente com uma cliente de 14 anos na loja onde eu trabalho. Naquele vai e vem, ela acabou confessando o quanto retraída na hora de fazer amigAs se tornou depois que descobriu que seu nome também era um viajante pelos corredores da escola e o ônibus que o levava em todas as viagens partia da própria lingua dessas que vederiam ser companheiras e leais.
Outra conversa foi com uma garota de 16 anos reclamando sobre a forma como se sentia sozinha mesmo em um grupinho, isso porque os sorrisos gentis vinham acompanhados de comentários meio ofensivos sobre algo na sua aparência ou jeito de ser. Além disso, é claro, era como se tudo sempre fosse uma competição disfarçada sobre só-Deus-sabe-o-quê.
E quando eu estava achando que esse tipo de situação se limitava a adolescência, uma mulher na casa dos 40 não pode deixar de confessar sobre desistir de ter uma amiga agora que no trabalho, sua última esperança, também foi vítima de fofocas e burburinhos nada amigáveis.
Céus, parece inevitável, mas por que isso acontece?
Uma coisa que percebi existir em comum em todos esses relatos foi a existência da necessidade de se sentir superior, talvez por motivos que começam dentro de casa mas, em grande parte de todos, pareciam uma resposta ao sentimento de ameaça. A primeira entrevistada chamava a atenção de garotos, a segunda sentia que as amigas precisavam se sentir validadas de alguma forma e a última estava num trabalho, um ambiente naturalmente exigente.
Me questionei se isso não fosse somente um comportamento moldado ou nos ensinado porque me recuso a acreditar somente em raízes biológicas, como se fosse natural do sexo feminino se odiar. Não, não quando mesmo estampas de bolinhas tem uma razão por trás nesse mundo.
De fato, não vejo tantos homens reclamando desse mesmo tipo de questão ou então tantas representações midiáticas desse assunto envolvendo o mundinho masculino, principalmente o hétero. Mas bem, homens não são ensinados a expressar seus sentimentos tanto quanto mulheres, isso vindo dos próprios. Além de que não parece haver esse sentimento de limitação quando a maior parte das áreas ainda são ocupadas majoritariamente por eles em pleno século XXI.
Eu não estou aqui para lançar a carta “E se o papa fosse mulher?”, mas me diga se algum deles já foi rejeitado numa entrevista de emprego por ter filhos? Ou então se qualquer ascendência financeira não vai ser justificada usando a parceira? Acontece que numa sociedade onde temos “prazo de validade” sobre até que idade somos consideradas bonitas, onde um elogio vem do princípio que você precisa ser diferentes das outras garotas para ser verdadeiramente especial ou então até para ser amada precisa-se criar o sentimento de que foi escolhida é difícil não afirmar que tudo ao nosso redor contribui para a necessidade de ficar alerta quanto umas as outras. Nosso espaço é limitado e a caixinha em que nos colocam não tem tanto espaço.
Mas eu também não descarto o fator “falta de caráter” porque se os homens fossem socialmente permitidos a desabafar e se expressar de forma emocional por eles próprios, bem, tenho certeza que os mesmos relatos sobre falsidade e inveja não estariam em falta.
Mas o que me conforta é saber que não importa quantas vezes vou ter esse tipo de experiência, ainda sinto que nasci para amar mulheres e ser amada por elas, até porque, naquela noite depois de voltar do trabalho e chorar um pouquinho — novamente, só um tiquinho, viu? — fui confortada pelo abraço gentil da minha mãe e fui envolvida por todo aquele carinho maternal.
No dia seguinte conheci uma garota super simpática no trabalho que sorriu de volta para mim, ela era linda e tinha um sorriso muito bonito.
A jovenzinha que desabafou comigo disse que queria ser minha amiga.
E claro, passei aquela madruagada desabafando com uma amiga sobre todo o ocorrido e terminei uma noite que começou em lágrimas em risadas e aúdios sem sentidos sobre tudo e mais um pouco, assuntos de mulher mesmo, coisa que só outra mulher entenderia e bem, tudo isso foi como comer o bolo de cupuaçu da minha avó um fim de tarde.
Posso ir para milhares de encontros, conhecer o mais romântico dos caras, ganhar flores e escutar juras de amor acompanhadas de um beijo suave no dorso da mão, mas provavelmente ainda assim não me traria o mesmo sentimento de estar completa e ser compreendida que uma tarde fazendo tudo e nada com minha melhor amiga.
É como se existisse um tipo de amor que só mulheres podem dar ao mesmo tempo que só nós sabemos como receber.
Talvez seja por isso que você esteja lendo um texto de uma garota desconhecida de 20 anos que não aguenta mais trabalhar como CLT de segunda à sábado, porque quem sabe você tenha se sentido ouvida mesmo sem sequer ter mostrado a voz. Coisas assim só mulheres conseguem sentir.
De todo mundo, quero te ter como amiga e espero que isso não seja difícil :)
sim, esse texto chegou em uma menina que se sente deslocada, e eu não consigo sentir que tenho AMIGAS, mas teu artigo foi escrito de forma tão natural e transmitiu tudo que sinto de forma tão leve que me vi compreendida. ótimo texto <3
“Chega até a doer em algum lugar do peito enquanto escrevo esse texto.” doeu aqui também quando li esse texto