Eu e você estamos cansados.
São “estilos” diferentes toda semana, ditados como a tendência do ano, com alguma palavra aleatória em que se adiciona “girl” ou “core” no final para então tentar trazer alguma identidade, mas que passam tão rápido quanto chegaram. Ou você vai me dizer que o shopping central da sua cidade está lotado com vestidos bordados, botas de cowboy e franjas? Ou quem sabe mulheres com o rímel borrado às oito da manhã de uma quarta-feira e qualquer outra coisa que tenha sido vendida como a moda do momento?
E essa avalanche de informações não se limita ao mundo da moda. Não quando nosso tempo de tela é maior do que o tempo que vivemos a vida no mundo real, quando ninguém consegue assistir TV sem dar aquela olhadinha no celular aqui e acolá ou abrir cinco aplicativos de uma vez. Não mencionei os jornais e como as notícias na televisão (ou no Twitter) são as mais desesperançosas há anos: doenças e novas crises de saúde pública, guerras, disputas econômicas, fome, crime, dinheiro — e a falta dele.
Estamos tendo que lidar com isso tudo enquanto nos fazem acreditar que precisamos, sim, acordar às quatro ou cinco da manhã para fazer um monte de nadas. Ou, quem sabe, dar uma corridinha e assim criarmos um falso senso de vida saudável e cuidado consigo mesmos que, no fundo, no fundo, não passa de um desejo de busca por aprovação externa.
E tudo isso sem mencionar os procedimentos estéticos.
Uffa, cansei só de escrever e parece que esqueci coisa. Talvez você também esteja cansado e então está pensando em largar essa newsletter e ler a mais curta, ou quem sabe voltar para o TikTok — menção honrosa para os que já não largaram nos parágrafos anteriores. Mas quem pode julgar? Num mundo como esse, nosso cérebro vai adoecendo e a sensação de desespero e ansiedade cresce, fazendo com que nos tornemos como as máquinas que hoje dominam tudo: mortos, mesmo que respirando, vítimas do sistema e escravos do algoritmo.
E a moda tem sua forma de reagir a isso. Até porque não são só roupas bonitas que constroem essa indústria, e sim uma sociedade. Moda é política. Filosofia. Sociologia. Claro que ela tem uma reação para toda essa ação e, mesmo que um dos problemas sejam a enchente de trends e estéticas jogados na nossa cara toda semana, um dos meios de fugir dessas mesmas trends é criando novas, uma contra-resposta. Movimentos.
Por isso, rolando pela minha For You do TikTok e sendo atingida por mais uma nova estética bastante… curiosa, digamos assim, no meio desse cenário, decidi parar para listar e comentar, até analisar, todas as trends em movimento e ascensão de 2025 e qual seu papel diante de todo esse caos e burnout cibernético, estético e social o qual estamos vivendo.
Porque mais uma vez: moda não são só roupas bonitas e, bem, é divertido pensar que até um pedaço de pano tem muito mais por trás do que conseguimos imaginar.
Calças de pijama e a Cozy Girl
Acordar 4 da manhã para correr e passar as próximas horas fazendo tudo que na verdade não é nada só pra me gabar que às 8 da manhã risquei quinze tarefas na to-do list? ‘Tô fora, não, muito obrigada. Prefiro dormir como se fosse domingo de manhã.
É assim que mais uma girl se torna queridinha de 2025. A cozy girl chegou num período em que a extrema produtividade já começa a se tornar cansativo e todos nós só queremos fazer um detox de lifestyle depois de arranjar tantas coisas pra fazer.
Calças e shorts de pijama e roupas em tons pasteis, tecidos leves ou quentinhas, sempre puxando para o romântico e casual estão dominando a primavera europeia e prometem ficar com muito mais força. Aqui vemos muito mais cardigans, estampas em listras ou um xadrez suave, tênis macios e bolsas fofas. Nada que aperte ou marque tanto a silhueta porque tudo o que a cozy girl precisa é daquela sensação de quando você finalmente pode acordar às 11 da manhã de um domingo depois de seis dias trabalhando sem parar naquele emprego borocoxô (talvez isso foi um desabafo). Isso, mas mais vezes na semana.
Como o nome já insinua de maneira clara, aqui vemos a busca por conforto com toques fofos e alegres, totalmente diferente do cenário atual regrado e notícias tristes de um mundo cinzento. A cozy girl só quer assistir a comédia romântica favorita dela enquanto devora um balde de pipoca debaixo daquela coberta quentinha.
Quem sabe assim voltamos a acreditar no amor e na esperança de um mundo melhor?
Garden Girl ou o novo Cottage Core?
Depois de ler tanta coisa ruim no jornal (mais uma vez… o Twitter), acho que quero largar tudo e viver no meio do mato.
Ou talvez meu tempo de tela de mais de 7 horas no celular seja uma leve – grande – indicação de que preciso voltar a me reconectar com a natureza?
De qualquer forma, a garden girl com seus macacões jeans, botas estilo jardineira e vestidos soltos e leves para o verão são o reflexo de como estamos sobrecarregados ao extremo e a única forma de recuperar o fiapo de sanidade restante seria passar um tempo colhendo morangos no jardim. Essa estética é uma aposta para a primavera e marca a volta do “cottage core”, mas numa espécie de atualização 2.0 em um época onde o “girl” substitui palavras e forma novas tendências a serem seguidas.
Além dela, outra grande tendência tem como inspiração os montes e alpes suíços, um estilo puxado para o passatempo favorito da burguesia no século passado: caça. Botas longas, muito jeans e roupas em tons terrosos e claro, perfeitos para estar no meio da floresta longe de qualquer rede celular.
Pelo menos assim não precisamos mais ver nenhum story com “café com deus pai” no Instagram.
Labubu e as famosas Cacarecos Girls
Ainda nessa pegada “não-aguento-mais-tanta-catastrofe-e-informação-então-quero-fugir”, temos as cacareco girls que vem com tudo com suas bolsas lotadas de bugigangas, chaveiros suuuper divertidos, photocards, pelúcias e muita personalização. Essa tendência tem virado uma febre desde 2024 e está se expandindo cada vez mais — cofcof me rendi a ela. Até porque, conforme as crises e problemas sociais e econômicos vão aumentando, tudo o que queremos é nos agarrar a algo que lembre tempos mais fáceis como a infância e o que faziamos na infância senão idolatrar todas aquelas pelúcias e itens que não podiamos comprar?
Agora não tem mais ninguém para falsamente profetizar um “na volta a gente compra” e um adeus eterno além de nós mesmos porque somos nós quem decidimos o que e quando e nada mais justo do que usar o dinheiro de adulto para comprar tudo aquilo que não podíamos quando criança, certo?
E a estética não está só nas bolsas lotadas de cacarecos, está nos labubu sorteados que cada vez mais vem dominando a for you do Tiktok mundial, a coleção de sylvanian family e os milhares de photocards fofos do seu idol favorito.
Essa tendência passa do estilo performático para os hobbies e o conforto de poder abraçar seu eu de anos atrás com aquele presente que ele tanto queria de natal.
Charlie e Lola e a estética Whimsy Tee
Responsável por me fazer ponderar a noite e escrever essa newsletter, a estética whimsy tee e tudo relacionado a ela vem chegando aos poucos na grande mídia como, não só estilo de roupas e sapatos, mas no estilo de vida, hobbies e modo de pensar que atuam como uma válvula de escape de toda essa confusão global a qual estamos inseridos.
Isso porque, num cenário pré-apocalíptico onde estamos vendo o mundo se destruindo lentamente diante dos nossos olhos, assim como as cacareco girls, o desejo de voltar a tempos mais simples quando nossa única preocupação era ser atendido pelo Bom Dia & Cia e ganhar um Playstation na roleta com o Yudi, Maísa e Priscila se torna quase que uma necessidade.
A estética whims tee traz de volta elementos bem característicos e até meio caricatos da infância, uma coisa vintage bem casa da vovó e brincar na rua durante a tarde. Uma das características é a presença de várias estampas divertidas e coloridas — em especial o xadrez — e ainda melhor se forem misturados, como recortes. Acessórios de cabelo como presilhas, meias e meias calças coloridas e estampadas, unhas pintadas com desenhos de animais e frutas e qualquer coisa que fuja de toda a tragédia e seriedade de hoje em dia. Produtos feitos a mão como presilhas, aneis, colares e roupas, artesanato mesmo, são muitíssimos bem vindos aqui.
Lembra quando éramos crianças e desenhar bigodes em rostos desconhecidos em revistas e riscar a calçada de giz era super legal? Bem, aqui estamos.
Se você assistia Charlie e Lola vai notar que é basicamente viver uma vida dentro desse desenho que ainda traz aconchego para muita gente grande. Os aspectos de colagem e texturas diferentes, a fofura, inocência e o fator “handmade” (feito a mão) nas peças, acessórios e itens lembram muito a estética do desenho, por isso muitos os associam.
Novamente: só queremos sair dessa confusão toda e voltar a assistir charlie e lola no sofá da sala.
Todas essas estéticas bonitinhas e visuais foram apenas parte do suco detox que 2025 está tentando fazer depois de um burnout digital e estético, mesmo que o cansaço levado pelas trends leve a formação de novas trends e assim entramos num paradoxo esquisito estilo buraco de minhoca. Acontece que a moda é assim, ela está em tudo mesmo quando não quer estar, sua presença também faz parte da ausência — ou tentativa dela.
Mais uma vez está a prova de como moda, política e sociologia entram em comunhão. Tudo o que vestimos quer passar uma mensagem, tudo é uma resposta mesmo quando não queríamos responder pergunta nenhuma, até mesmo aquela calça no seu carrinho de compras da Shein.
E como visto na newsletter passada (aquela que você pode facilmente acessar clicando aqui), está tudo bem seguir tendências desde que você não mude sua personalidade e guarda-roupas só para se encaixar em alguma delas, faça-as se encaixarem na sua personalidade e guarda-roupas.
Mas e aí, alguma dessas tendências conquistou seu coração ou então nosso detox fashion vai virar uma drenagem fashion?
adorei esse conteúdo! me interesso muito por moda, mesmo não efetivamente estudando.
acho que no fim das contas, a mais saudável solução é ser recortes de coisas que gostamos, seja de alguma tendência ou não. sou gótica e amo tecidos como renda, transparência preta, veludo e couro falso, mas também continuo a me apaixonar cada vez mais por acessórios maximalistas pique indianos, meia calças coloridas e cacarecos.
o que nao é saudável é nos limitarmos a aspectos de uma só estética ou vertente para vivermos a vida.
Amei a reflexão!